quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Morte e Vida de Grandes Cidades - Um clássico


Morte e Vida de Grandes Cidades é uma leitura formidável, mas, bastante ácida, repleta de críticas e observações sobre o funcionamento das grandes cidades, apresentadas numa prosa clara e direta. Entretanto, não é preciso ser economista para perceber que as observações de Jacobs sobre as virtudes de ruas generosas e vizinhanças diversas abordam pouco aquilo que realmente matava as grandes cidades americanas na metade do século passado: a perda de sua base produtiva.
A mensagem de Jacobs é simples: uma cidade, e portanto uma sociedade, vive e morre de acordo com sua capacidade de construir um ambiente criativo por e para seus cidadãos. Argumento que pode ajudar a decifrar um enigma: Nova Iorque, que 40 anos atrás ia em direção à bancarrota enquanto o resto da nação prosperava, agora prospera enquanto o resto da nação vai para o buraco. Há muitas razões por trás disso, mas quem estiver atrás de uma boa explicação para o renascimento milagroso de Nova Iorque faria bem em ler Jane Jacobs.

Nascida em 1916 e criada na Pensilvânia, Jacobs mudou-se para Nova Iorque nos anos 30. Sem formação em planejamento urbano, ela se destacou na política nova-iorquina graças a seu trabalho na liderança do bairro, opondo-se ao conhecido planejador Robert Moses, que queria construir uma via expressa de 10 pistas sobre Manhattan, um projeto que, se construído, teria arrasado os bairros Little Italy e Soho. Robert Moses é mencionado somente de passagem nos livros de Jacobs, mas eles são uma contraposição explícita a sua visão de cidade. Moses e arquitetos com pensamentos similares, como Mies van der Rohe e Le Corbusier, queriam limpar as cidades, substituindo cortiços por grandes complexos residenciais circundados por parques e grandes avenidas. Na prática, isso significava demolir bairros inteiros e amontoar milhares de pessoas pobres em edifícios que logo se tornariam locais inseguros e marginalizados.

O primeiro grande insight de Jacobs foi perceber que as cidades não são máquinas para se viver, mas organismos vivos. Futuros planejadores, dizia, devem pensar as cidades em sua complexidade. Mas, se uma cidade é um ser vivo, ela também pode morrer, e o segundo grande insight de Jacobs foi perceber que cidades são espécies que se autopropagam. Injetar dinheiro indiscriminadamente em uma cidade é como enfiar um tubo de alimentação goela abaixo de um doente terminal: pode impedir que ele morra, mas dificilmente vai ajudá-lo a se levantar da cama. A melhor forma de estimular a economia de uma cidade é livrá-la dos obstáculos arquitetônicos, governamentais e econômicos que impedem as pessoas de levarem seus empreendimentos pessoais e coletivos adiante.
Jacobs inicia seu estudo urbano no nível do quarteirão, utilizando seu pedaço da rua Hudson como laboratório. Com uma visão aguçada e muito bom senso, ela descreve como um quarteirão bem sucedido atrai usuários diversificados, não só residentes, mas comerciantes e visitantes de outras áreas da cidade, que acabam por cuidar uns dos outros. Quando funciona, um quarteirão de sucesso é o cenário para o intricado balé no qual os dançarinos têm papéis diferentes que reforçam milagrosamente uns aos outros, e compõem o todo. O balé de uma boa calçada nunca se repete e está sempre repleto de improvisações. Num bom quarteirão, as ruas devem ser curtas, com calçadas amplas, com prédios novos e antigos, e ter uma variedade de negócios que atraia uma diversidade de residentes e comerciantes.

As ideias contidas em Morte e Vida de Grandes Cidades são tão sensatas, em sua promoção da diversidade e da tolerância, que é fácil esquecer que, enquanto as habitações sociais de Moses eram socialmente problemáticas, também o eram os cortiços que elas substituíam. Por mais de um século, de 1840 a 1950, ondas de imigrantes vindos de toda parte do mundo desembarcaram nos bairros mais pobres de Nova Iorque. Esses imigrantes se dispunham a conviver com a criminalidade e a infestação de ratos porque, por piores que fossem essas condições, eram mais promissoras do que em seus países de origem e porque sabiam que seus filhos e netos poderiam deixar os guetos e se tornar parte da classe média americana. Isto aconteceu década após década, expandindo a base produtiva do país – até que, no final dos anos 1950, os empregos começaram a diminuir.

Em Morte e Vida, Jacobs não aborda os dínamos econômicos que engrandeceram Nova Iorque e cuja falência quase mergulhou a cidade na bancarrota. Se pararmos na leitura de Morte e Vida, poderíamos concluir que, enquanto Jacobs era uma planejadora visionária, ela pouco entendia de economia urbana. Talvez ela mesma tenha pensado isso, porque ela parece ter passado os anos seguintes estudando o assunto. Esse estudo prolongado resultou em dois livros, Economy of Cities (1969) e Cities and the Wealth of Nations (1984). É neles que Jacobs discute como grandes cidades como Nova Iorque podem renascer.



A história da reviravolta de Nova Iorque é sobretudo econômica. Depois de décadas de estagnação causada pelo declínio da indústria local, a cidade embarcou na onda da globalização, que demandava capital nas finanças, na mídia e no design de produtos de alta tecnologia. A ascensão dessas indústrias gerou uma economia de serviços efervescente, que absorveu novas ondas de imigrantes, e a cidade se tornou de novo um colosso mundial.

Mas por que uma cidade como Nova Iorque se recuperou quando uma cidade como Detroit, que tinha uma base industrial mais sólida, entrou em decadência? Para Jacobs, a resposta está na capacidade dos habitantes de uma cidade para inovar. As cidades crescem, segundo ela, por um processo que chama de substituição da importação. Isso ocorre quando comerciantes locais produzem, eles mesmos, os bens e serviços que costumavam importar. E então usam as habilidades obtidas com essa produção local para criar novos produtos, que podem exportar. Detroit, ela argumenta, começou como um porto de distribuição de farinha pelos Grandes Lagos. Logo, os fabricantes locais começaram a construir seus próprios barcos e ficaram tão bons nisso que começaram a fabricar navios. Isso não só trouxe dinheiro para os cofres locais, como foi a base da cultura de fabricação de motores, apropriada por Henry Ford quando ali fundou sua fábrica de automóveis.

A indústria automobilística, no entanto, foi tão bem sucedida que, com a maior inovação de Ford, a linha de montagem, passou a dominar Detroit de forma tão absoluta que não havia mercado local para mais inovações. E, como Jacobs aponta, foi só uma questão de tempo para que outras cidades (neste caso, no Japão) incrementassem as ideias de Ford e passassem a produzir carros melhores e mais baratos. The Economy of Cities previa o dilema que Detroit enfrenta hoje, de uma indústria automotiva moribunda, ultrapassada pelos competidores estrangeiros, que teve de ser resgatada pelo contribuinte americano para evitar o colapso.

Como Detroit, Nova Iorque começou como uma cidade portuária, mas seu principal subproduto foi um setor bancário robusto, que sobreviveu ao colapso da indústria na cidade. Mesmo quando Nova Iorque pediu ajuda financeira do governo em meados dos anos 1970, jovens empreendedores, muitos deles filhos e netos de imigrantes que um século antes viviam nos guetos, foram inventando novas maneiras de ter e financiar grandes empresas. Sim, os banqueiros não são flor que se cheire e recentemente o setor bancário precisou de uma ajuda financeira do governo maior que a indústria automobilística. Mas, queira-se ou não, Nova Iorque é hoje a grande cidade mais segura da América, com uma economia e uma diversidade cultural relevantes. Em grande parte porque soube reinventar suas atividades produtivas a partir de mecanismos de crédito diversos.

Diversidade e adaptação, com certeza, são as respostas para a sobrevivência e o posterior desenvolvimento das cidades.

Morte e Vida de Grandes Cidades é uma leitura envolvente e surpreendente pela perspicácia da autora, Jane Jacobs (1916-2006), em observar e descrever com precisão toma a "trama" administrativa e política envolvida no desenvolvimento das cidades.



São 499 páginas de idéias explícitas e implícitas expostas de maneira envolvente.


sexta-feira, 31 de julho de 2015

A Olimpíada 2016 é pra quem?

A China gastou US$ 40 bilhões para sediar os Jogos Olímpicos de Verão de 2008 em Pequim e a Rússia gastou US$ 50 bilhões para os Jogos de Inverno de 2014 em Sochi. 

O Brasil gastou cerca de R$ 28 bilhões (números não oficiais) com a Copa do Mundo de 2014. E agora caminhamos para a Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro, com gastos absurdos e atitudes negligentes. Qual o retorno disso? Quais os ganhos econômicos?
A experiência bem sucedida de Barcelona se repetirá? Teremos, efetivamente, um legado?
Essas questões são tema do livro "Circus Maximus" do economista Andrew Zimbalist, que expõe a vaidade, os excessos e os resultados desses eventos esportivos de forma transparente. Uma leitura, realmente, reveladora.

E o que acontece hoje no Rio? 
Temos centenas de desapropriações, alguns moradores que permaneceram na Vila Autódromo, convivem com escombros e com as máquinas que, de um lado fazem obras no Parque Olímpico e do outro destroem as casas.
Não sei onde ficaram os direitos dos moradores de permanecer em suas casas, sendo obrigados a receber indenizações que não pagam pela mudança de uma vida, em detrimento de um espetáculo de luxo, cujas instalações estão condenadas ao mau uso ou a elitização, ocasionando a gentrificação dos poucos moradores que resistirem às obras.
As vantagens do evento são irrisórias diante da realidade, afinal, quais as vantagens reais? A geração de empregos na construção civil ou de empregos temporários durante o evento?
A construção civil poderia gerar o mesmo número de empregos utilizando verbas menores na edificação de comunidades inteiras, com habitações populares de qualidade e ainda preservando a Mata Atlântica que foi cruelmente devastada pelas obras "faraônicas".

A Lei Federal nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006 – Lei da Mata Atlântica, regula a conservação, a proteção, a regeneração e a utilização da Mata Atlântica, e o Decreto nº 6.660, de 21 de novembro de 2008, detalha “o que”, “como” e “onde” pode haver intervenção ou uso sustentável da vegetação nativa. 

Para quem serve a lei? 
Obra em Elevado do Joá (foto) vai derrubar 69 mil m² de mata à beira do Oceano Atlântico
Imagem: Júlio César Guimarães/UOL
Projeto viário necessário para a Olimpíada de 2016: a duplicação do Elevado do Joá, derruba 69 mil m² de Mata Atlântica a beira mar.


A exemplo do que ocorreu na Copa do Mundo 2014, onde tivemos apenas um legado imaginário e perdemos também a autoestima, minhas expectativas para a Olimpíada são de muitas contas a pagar, as manchetes dos principais jornais internacionais durante o evento e vergonha, muita vergonha.


Imagem conceitual do Estádio do Maracanã para os Jogos Olímpicos de 2016. (Foto: Divulgação Rio 2016 )