Desde sua criação em 2009, o programa "Minha Casa, Minha Vida" tem sido alvo de críticas por parte de arquitetos, urbanistas e pesquisadores das mais diversa áreas. A partir do anúncio do programa aconteceu uma elevação absurda nos preços dos imóveis em todo os país, causando um aquecimento no mercado imobiliário.
O programa que surgiu com o objetivo de reduzir o déficit habitacional no Brasil e favorecer as famílias de "baixa renda", de acordo com a pesquisadora *Francini Hirata, não está priorizando famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos, que é a faixa onde se concentra 90% do déficit habitacional.
De fato houve um grande avanço em termos de construções de unidades habitacionais, mas é preciso observar que a entrega de quase um milhão de moradias na primeira fase do programa, foi dividida em 44% para renda familiar até R$ 1.600,00 e as demais para famílias com renda na faixa de R$ 1.600,00 a R$ 5.000,00 mensais.
A partir de dados veiculados pela Caixa Federal até junho de 2012, a segunda fase do programa, mostra números mais distantes ainda das metas pretendidas no início do programa, pois apenas 4.475 unidades foram entregues para as famílias com renda de R$ 1.600,00, contra 267.453, para a faixa de até R$ 5.000,00, o que corresponde a uma desigualdade alarmante.
O programa funciona com a utilização de parte da contribuição do poder público para a consolidação do padrão periférico de urbanização, através da construção de grandes conjuntos habitacionais nas periferias metropolitanas sem proporcionar a infraestrutura necessária, constituindo a chamada ‘urbanização sem cidade’, ou seja, a instalação de conjuntos habitacionais em áreas distantes e desarticuladas do conjunto estruturado da cidade, com inexistência ou insuficiência de transporte público e saneamento, perpetuando as características do território segregado.
É fácil compreender a falta de interesse ao atendimento das famílias, cuja renda se concentra em 90% do déficit habitacional, pois, de fato não existe um bom negócio sem lucro, ainda mais o programa sendo formatado em parceria com o setor privado que precisava de ajuda para não afundar na crise imobiliária mundial de 2008.
“A construção civil buscou uma articulação com o governo federal para contornar a queda nos preços dos papéis que antes financiavam a construção”, afirma a pesquisadora Thêmis Aragão. “Houve uma convergência de interesses: aumento da habitação social com a garantia do financiamento do setor”. Dessa maneira, o resultado foi uma política de acesso ao crédito, por parte dos consumidores, e de financiamento facilitado, por parte das construtoras.
Apesar de algumas exigências para a liberação dos recursos, a verdade é que quem decide os terrenos em que as novas moradias serão construídas é o setor privado. Ou seja, as prioridades estão invertidas, a localização é definida pelo mercado, que economiza no preço da terra e leva as novas habitações para áreas periféricas. Além de obrigar as pessoas mais pobres a viver longe dos centros urbanos, esse modelo acaba "obrigando" que o estado construa a infraestrutura que não existe. Água, esgoto, iluminação, escolas e postos de saúde são então levados a essas áreas, depois de quanto tempo ainda não se sabe. Mais uma vez, quem ganha é o setor da construção civil, que será o responsável por essa nova malha de serviços.
As prefeituras tem possibilidade de intervir nesse cenário, pois são elas que detêm os mecanismos legais para garantir a localização dos empreendimentos no espaço urbano. Entre eles estão as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), que exige a construção de moradia social em determinadas áreas, e o IPTU progressivo, que pode impedir que os proprietários deixem seus imóveis vazios em áreas centrais das cidades. Mas isso depende de vontade política – contrariar os interesses dos maiores financiadores de campanha não é fácil. Além disso, pequenas cidades simplesmente não têm poder suficiente para se contrapor às vontades de grandes corporações.
Em 2012, participei da elaboração de dois projetos para o programa Minha Casa, Minha Vida e me senti bastante frustrada com a localização dos empreendimentos. Um deles na cidade de Joanópolis, simplesmente se localizava "no meio do nada", o outro em São José dos Campos, mesmo possuindo um padrão melhor de habitação estava numa área totalmente periférica. Ambos não possuíam nenhuma preocupação com questões sociais, ambientais ou sustentáveis.
O programa "Minha Casa, Minha Vida", deixa claro que o mercado continua dando as cartas, ficando difícil imaginar quando haverá um modelo mais inclusivo de cidade. Por enquanto, está perpetuado o modelo de expansão territorial desordenada e descontrolada em prol dos lucros do mercado imobiliário.
*Francini Hirata é mestre em Ciência Política pela Unicamp e bacharel em Ciências Econômicas pela Unesp.
*Thêmis Aragão é pesquisadora, com enfoque em políticas públicas habitacionais e assessora no Instituto Brasileiro de Administração Municipal.
Glória César Cabo
Fontes: Revista IHU Online / www.caixa.gov.br/habitacao
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